Au Pair,
Amor e distância
Era uma vez uma pessoa. E era uma vez outra pessoa. E era uma vez um amor. E como se já não bastassem todas as complicações inerentes ao amor, este vinha com um bônus: quilômetros [...]
Era uma vez uma pessoa. E era uma vez outra pessoa. E era uma vez um amor. E como se já não bastassem todas as complicações inerentes ao amor, este vinha com um bônus: quilômetros [...]
Quilômetros de distância que estavam lá por alguma razão. Trabalho, estudo, família, raízes, origens, destino, sorte ou azar. Quilômetros estes pelos quais circulavam diariamente as tradicionais e inevitáveis saudades, as inegáveis angústias, a latente ansiedade e a eterna sensação de ser um pouco injustiçado pela vida.
Era uma vez essa história clássica, espalhada pelo mundo como vírus, mas que é sempre nova e fresca e que vive em milhares ou milhões de peitos com essa avassaladora capacidade de causar transtornos e alegrias na mesma medida.
Seriam “amor” e “distância” palavras incompatíveis por natureza? Ou seriam daquelas palavras que se atraem como imãs na sede de criar histórias dignas de roteiros de cinema, atravessando oceanos, desafiando o tempo e todas as probabilidades?
Seria uma espécie de teste? Uma prova para atestar o quão dispostos estamos a nos dar? Seria provação? Uma avaliação para tentar demonstrar nosso grau de interesse pelo amor?
Sei que, por vezes, parece piada de mau gosto do destino. Quando, por exemplo, nos flagramos invejando um casal que está tendo o luxo de passear de mãos dadas. Quando esticamos o braço na cama durante a noite e tudo o que encontramos é espaço vazio. Quando descobrimos que o olfato também sente saudades, como se todo o resto já não fosse suficiente.
E os palcos para as mais belas cenas de amor deixam de ser o entardecer na praia ou a tarde chuvosa no campo para serem um saguão de aeroporto às 7 da manhã de uma terça feira, uma rodoviária lotada no fim do dia ou uma estação de trem cheia de rostos desconhecidos e completamente alheios à sua história.
E você então descobre pequenas dores em atos que sequer fazia ideia de que existiam: acariciar rostos em fotos; passar perfume para falar no Skype; adormecer com o celular na mão, tentando vencer o sono e a distância e acabar sucumbindo a ambos; fazer da vida uma contagem regressiva, sem se lembrar que cada dia vencido é um dia a menos de vida.
Descobre novos surtos e neuroses, nos quais a frase “vou tomar uma cerveja” é lida como “vou tomar 14 cervejas, 8 whiskys e 5 doses de tequila com 18 mulheres de 1,80m, cabelos sedosos e seios fartos”. Ou a frase “vou sair para jantar” é lida como “vou sair para jantar de cinta-liga, salto 15 e seguir diretamente para uma bunga bunga do Berlusconi”. Acontece. Não é fácil não pirar.
E acaba descobrindo também algumas novas alegrias: as promoções de passagens, o súbito momento em que o sinal do 3G é bom o bastante para aguentar 7 minutos de Viber, o prazer de acordar com uma notificação querida de whatsapp. É uma verdadeira arte de buscar ânimo em pequenas coisas.
Mas a verdade é que não é fácil. É bem mais difícil do que matar um leão por dia. Porque a saudade a gente não tem como matar. A falta a gente não tem como suprir. A ausência a gente não consegue aceitar sem uma certa relutância.
Mas é realmente incrível nossa capacidade de adaptação. O esforço do cérebro para tornar as lembranças um pouco sensoriais: a memória do toque, do cheiro, do gosto. O dia a dia que vai se ajeitando. O coração que se acalma um pouco, mas que continua batendo forte a cada pequena lembrança.
Tem dias em que a gente se questiona. Faz mesmo sentido? Até quando? Até onde vamos? Tem dias de “e se…”. E se não der certo? E se for perda de tempo? E se a gente não der conta?
Mas, no fim, a verdade é que, se é amor mesmo, a gente sabe que vale a pena. Cada passo, cada suspiro, cada quilômetro encarado. E a gente sabe que não tem saída: viver o romance impossível é mil vezes melhor que não viver o romance. E que, no fundo, essa ânsia dolorida faz com que a gente se sinta extremamente vivo a cada dia.
E amar no conforto, no sólido, no concreto é sempre lindo. Mas amar no desafio, no sacrifício diário, na corda bamba é gigante. É para os fortes. Os corajosos. Os dispostos. Os que declaram, seguros, para a vida:
“Vim para amar.
E vou amar.
Não importa como, eu vou.
E não me ofereça um amor mais fácil.
É esse que eu quero.
Esse é o meu.
Não tem outro.".
Fonte: blogs.estadao.com.br
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